páginas brancas

Tuesday, February 14, 2006

Branco e preto...

O meu mundo é branco e preto...teci-o ao longo dos anos, amarahando-me pelas vertentes ruídosas e acalentadas dos dias e noites, que não me deixavam sossegar...é uma mistura de verão e inverno,que se acasalam na mais fresca harmonia e cromatismo de fragâncias...logo ao raiar do sol ,como se uma voz lá bem longe me chamasse, debruçava me sobre a minha panóplia de cores e mistérios,e lá pousava a minha cabeça, enterrando dolcemente a minha alma nas profundezas desses abismos estonteantes,e eram nesses braços que me acolhiam e embalavam, que fui crescendo, tal semente, refrescada pelas geadas das auroras.Partiu me o destino uma asa, e por isso, todos os dias, num vôo repicado,tento, ensaio malabarismos dolorosos,vertiginosos, que me arracam por vezes gritos de dor,para poder de novo voar, por cima dessas montanhas enormes que,vestidas do seu eco chamam por min, num grito aflito de dor e de saudade...quebrei uma asa...sem dar por isso,sem nunca ter tido a consciência da transgressão, do erro...foi assim...sem o querer, sem ter sido consultada...e tudo isto, num só dia de uma vida...sem uma vénia,sem nenhum cuidado, entrou alguém por qualquer porta deixada aberta...sem uma vénia sequer, sem nenhum cuidado...cortaram me um membro...sou agora a férrea vontade,caminhando por esses vales outrora ensoleirados,derretendo neve por baixo dos meus dedos bailarinos e acrobáticos..mas caminho, sigo o meu destino,de longe, revejo os vales assombrados nos quais , tantas vezes ,nem ave de rapina,piquei fundos vôos....tenho saudade daquela fera selvagem, uivando ao sol, desafiando o...qual deles raiaria mais, nos peitos dos homens?todo o artista é um louco, querendo desafiar as leis imutáveis da natureza...tenho saudades daquela fera ,lambendo os beiços arqueados, prontos a darem a dentada...e aquela luz lá, bem distante,confundindo se com o desejo e a vontade,cobrindo tudo de um véu cor de pêssego...essa luz desapareceu um pouco de dentro de mim...mas eu caminho,vou...pico a fera, toca a correr,grito, pulo, até o meu espírito acasalar com a sombra desmedida que surge a meu lado...a onda avassaladora dos mil cuidados...não querendo derrubar ninguém...passando por cima das cabeças atentas e curiosas, das que me queriam cheirar...e aquele saborzinho distante, que se entrenhava nas costelas e vísceras dos mais ousados, que mantinham as portas abertas do coração, e que me lá deixavam entrar...o meu mundo é axedrezado...cruzam se as cores e as formas,carácteres caprichos e vontades...montinhos de algodão perfumados...tudo flui á minha volta,...dou comigo a dançar...a cantar...derrubo cadeiras...miro ao espelho, e declaro bem alto, para que todos sejam testemunhos do meu soar...que hei de voltar a tocar...tudo isto foi dito, afirmado, á frente do retrato do Senhor Bach, que tenho por meu patrono e pai...ouve se a campainha a tocar...aparece um jovem á soleira clara da porta, carregando por cima da touca, um lampejo firme de vontade...sabem...o muito querer tem cor...é um brevíssimo clarão, que tem olhos de verdade, e que nos pisca de soslaio...entre, pode se sentar...como o caule de uma flor,dobra a espinha,e toma lugar no banco estofado...retira o toucado...olha bem para mim, e com a voz emocionada, cheia de fina graça,pede me simplesmente que lhe ensine a tocar...que ultimamente as mãos não lhe têm dado sossego,e que lhe pedem outro aconchego, um outro lar...que dava por ela a cantarolar, mas que isso não chegava...que gostava de...pianoter...na mesa, músicas inventadas, ou há muito ouvidas,e que recentemente, até tinha sido visitada por uma certa fadinha, que a tinha posto a tocar num lindo piano dourado...e que na sua cabeça, não paravam as notas de ecoar...desde então, tinha se lhe acabado o sossego, e que vivia desconfortada...pediu me que a deixasse abraçar o amigo, por quem tinha vindo ao chamado...estendeu os braços e apertou o bem junto a si...grande de mais...mas não era impossível, que um dia, ele entrasse inteirinho no seu coração...tudo cabe aqui no nosso peito...não é? Então, a menina tirou as mãos do colo, pousou as na boca branquinha e raiada do amigo, sem medo de ser engolida, sem medo de nada...

1 Comments:

  • At 1:51 PM, Blogger Leila said…

    muita gentileza a sua...isto sempre entretem uma pessoa...e aina há gente que diz mal destas coisas...mea culpa mil vezes....

     

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