páginas brancas

Wednesday, November 15, 2006

Era jovem...trabalhava... tinha tido, na ilusão da idade, nos tempos áureos do seu corpo forte de então, uma remessa, uma resma de gente pequena que lhe enchiam o coração...o homem era sensato, pelo menos parecia lhe a ela, que sentia, como á terra que lhe alimentava os filhos, ânsias de procriacão...era quase sempre na primavera radiosa e limpa que se esfregava...cheirosa ao marido, que a prendia nos seus braços, e que lhe sussurrava á orelha o quanto lhe queria...e assim foram chegando aos poucos, quase todos os anos um rebentinho lindo que ela embrulhava cuidadodamente num paninho de linho cheiroso e perfumado pelo sabão azul e branco com que lavava a roupa dos seus meninos...e um dia, no meio de toda aquela agitação,começou a escacear na dispensa o feijão, as batatas, a farinha o açucar, de tudo um pouco que dava a terra do quintal vizinho e daquilo que se ia buscar á mercearia. Não bastava já para o sossego da fome na barriga dos meninos...começaram então pequenas disputas,indisposições...o marido cansado do dia de trabalho pedia pela janta mal chegava a casa,ela coitada de avental descorado enxugava as mãos molhadas, na pressas de atender o seu homem...mas vinham as crianças atrás,num desassossego feroz que se atravessavam no seu caminho estendendo as boquinhas esfaimadas na procura do pão...e o homem até não era mau...pegava nos seus pequeninos, enchia os de beijos, esvaziava os bolsos e estendia lhes de vez em quando ums reboçadinhos roubados aqui e ali, nalguma lojeca de rua, pensando antecipadamende na alegria dos seus meninos pequeninos...pois que as crianças nesta idade tinham barriga para tudo...o pão ía se num instante..o leito também...queijo nem vê lo...manteiga tambem não...servia a margarina para barrar o pão, por vezes regado com cristais de açucar que brilhavam e que os meninos diziam que eram pedrinhas preciosas que lhes iriam enfeitar as barriguinhas...e a mãe ria se e o pai também...eram sete de entre meninas e meninos, todos brigões...mas a mãe deleitava se em vê los encarrapitados todos uns nos outros com a força de jovens leões...e eram mesmo lindos, aqueles bocadinhos de gente cor de rosa, embrulhados muito quentinhos em roupões...roupa que lhes davam gentes ricas...e muito obrigada então, pois que não é vergonha nenhuma aceitar o que de tanto subeja a outros...e a mãe trazia os sempre muito asseadinhos ,os vestidos e as calcinhas remendadinhas, pois que ela tinha boas mãos...mulher de parir bem também se queria habilidosa no remendo e na confecção...esperava pelo marido todos os dias por volta das sete da tarde...muitas vezes mandava o mais velhinho esperá lo na encruzilhada, mas em baixo da rua onde moravam, para o rapazinho o aliviar de cabaz e mala, pois isto era no tempo em que se trabalhava no duro, e em que se levava a bucha para o trabalho, na intenção de poupar uns tostões...e lá entrava o menino primeiro e o pai de seguida, arfando de cansaço e desejoso pela janta...eram tempos felizes...ninguém sonhava demais...era preciso esticar o tempo até ao dia seguinte, e na graça de Deus, continuá lo a viver como até então...a mulher não se queixava...e o homem também não...e todos se enrredavam no serão, nos braços gordos e esguios, sendo os do pai ou da mãe, como se trepassem por uma árvore acima, e na alegria das cócegas que sentiam nas barriguinhas, como se de folhas se tratassem, de tanto se esfregarem nos raminhos que os prendiam, os meninos deleitavam se nas conchinhas que seus pais fingiam, com suas mãos concavadas, segurando testas, rabinhos, braços e perninhas...eram bons esses tempos em que mais não se desejava a não ser o calor do peito farto da mãe e as colunas grossas das pernas do pai a que a miudagem se agarrava...os nomes dos meninos não interessa...o que importa é que todos eram um mundo...mas vou ceder á tentação e dizer por exemplo que a mais crescidinha era a Maria...larga de anca, com uma voz clara e macia...cantava para os irmãos...descobrira lhe o talento, a vocação certa vizinha abastada que um dia a ouvira entoar uma melodia, adormecendo o irmão.Parou, expectante, á porta da casa, do barracão,e admirada, procurou com o ouvido o caminho de onde vinha a linda melodia.Adivinhou lhe algo de desconhecido até então...julgava a senhora que gente pobre não podia cantar assim...a sua menina de saiote engomado e fitinha de veludo na cabeça, não conseguia ajeitar se na arte, apesar de ter já tido dois professores de música...qual seria o segredo então?Chamou em voz alta a pequena, que do susto se foi abrigar para dentro de casa de seus pais...pois que esta era a altura em que era vergonha ser se pobre, e os ricos tratavam nos como uma sub espécie de criaturas feitas á pressa pelo criador...pois é...não se pode ter tudo...queria então a senhora ter filhos bem vestidos, cheios de prosápias, e que os dos pobres nada tivessem, a não ser uma barriga sempre a pedir por ração...e foi se a inveja apoderando da senhora, e quando se encontrava na rua com alguns deles, dos meninos, perguntava sempre pela mana que cantava bem..pois é...quanto não daria ela para ter uma filha assim...e mais...a miúda já rondava os seus onze aninhos, não tardava nada, tornar se ia numa linda donzela, leve nos calcanhares, bamboleando aquele traseiro redondo...lindo... era graciosa...olhos negros cor da azeitona, cabelos longos, cheinhos de caracóis,toda roliça, e pior, já suspeitara mais de uma vez que o marido olhava para ela,com jeitos de caçador atrás da presa...e de repente,afundara se na cabeça da dona, a ideia de falar com a mãe da pequena, pois que tinha uma cunhada longe, que precisava de uma miúda para servir, e que não seria má ideia de todo,mandá la para longe dali, na dupla tentativa de não ter mais que carregar com as suspeitas do marido, e ela, por sua vez, de não ter de ver ali mesmo ao lado, uma rapariga muito mais bonita do que a que parriraa.Foi se então um dia toda arranjada e perfumada falar com a mãe da menina...chegou se então a farta mulher de olhos arregalados saber a causa da sua vinda, e ao conhecer o propósito da dama, crispou se, arregalou os olhos de espanto e levantando as mãos ao céu disse lhe numa voz que não admitia réplica-vá se senhora daqui, que minha filha não a fiz para a pôr servir,somos gente pobre que trabalha, nosso sustento meu marido o traz e eu pela graça de Deus,também me vou arranjando com algum trabalhinho.Não lhe meta aflição o nosso viver, ora me essa...e a dama contrariada, saiu bufando,apelidando de louca a amorosa mãe que queria era os seus filhinhos todos juntinhos a ela.Ninguém sabia, mas a mãe desta gente toda tinha sido uma menina com uma educação requintada...muito piosa, valera lhe a ajuda de Deus para aguentar a vida difícil que um dia escolhera...enamorara se de um simples jardineiro que tratava dos jardims da casa de seus pais,e um dia, pela calada da noite fugira, depois de se ter descoberto o interdito namoro que pelos cantos da fausta mansão se fazia.Além de umas tremendas tareias que apanhara do pai, sua mãe não se quisera intrometera com medo do marido,pois era mulher fraca e sustentada e um belo dia fugira lhe a segunda filha para lugar incerto.A jovem perdida de amores se arrastou para terras longes de casa, e até ao dia de então nada mais quisera saber dos seus.Mas o que ninguém sabia era que ela, no pouco sossego das noites, ensinava os seus meninos e meninas a lerem, e todos em casa rezavam e liam salmos da bíblia que lhes iam aparando a miséria material em que viviam.O homem não era mau...até achava bem, e sonhava em ver algum dos seus filhos com os livros de baixo do braço a caminho da escola, fazer se, quem sabe, um dia doutor...A mãe principalmente nas vésperas dos partos chamava em silêncio a sua mãe, pois que mal não lhe queria, sabia a resignada com o destino que lhe dera os avós,Era mulher de pouca vontade, amante do luxo e da sociedade.Ela, a rebelde, timha desonrado os propósitos nobres da família, de a entrgarem um dia a um abastado negociante.Mas ela gostava mesmo era do seu homem que a enchia de beijos .Poderia pensar se que cedo a mãe se arrependiria do passo dado, mas não...Ajeitara a vida numa montanha de ocupações, ensinava aler e a escrever aos meninos,todos eram educado,asseados e de boas maneiras.Todos se admiravam com o jeito cortês,afável das suas palavras, e ela sonhava era com o dia em que pudesse mostrar a sua rica ninhada aos pais.Do que ela mais tinha saudades, era do piano que deixara na casa parental...e depois tinha havido aquele dia em que o seu homem tinha pedido licença para entrar no salão de música para colocar por cima do piano onde que estiva ela sentada,uma jarra de pequinas rosas vermelhas e brancas que a sua mãe encomendara a rapariga da cozinha.Dali o recado fora directo para o jardineiro, jovemzito de dezanove anos que, deslumbrado pela acasião de entrar na austera casa depressas de despachou de acudir ao pedido.Foi a medo que galgara as escadas para o primeiro andar, mas não lhe fora de nada difícil encontrar a sala de onde tinha vindo a encomenda.Espreitou, comedido, e pediu licença...fora uma questão de segundos...tinha uma cara larga, como as flores que carregava, e o seu sorriso era tão brando, tão clarinho, e o cheiro que de desprendia dele era o de um perfume exótico.Tinha o cabelo solto, e um ar de gaiato que logo a encantara.Bastou um leve sorriso para se lhes prenderem os sentidos.Seguiram se as longas noites de insónias, as idas curtas á janela a espreitar de soslaio e um dia aconteceu um encontro furtuito por debaixo de uma tílioa centenária, como seria centenária a sua união.E nesse beijo ela viu a carainha de todos os meninos e meninas que iriam ter, cada um com o cheiro exacto de uma flor, que se entrenhara há muito na pele do rapaz.Depois o que se seguiu , foram queixas á patroa, mãe da menina, da parte de uma criadita há muito apaixonada pelo rapazinho , amor não retribuído,e a primeira sova naquele corpinho até então virgem de qualquer áspereza ou dor.E um dia fez as malas e fugiu com o seu amor, pois já quase endoidecia, de tanto chorar, e depois, aqueles ardores de noite que a endoidavam,aquelas ânsias de ao rapazinho se enlear...ai...se tudo isto pudesse não ter sido feito na traição da vontade de seus pais, hoje os seus meninos e meninas teriam mais amparo e amor...

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