páginas brancas

Thursday, March 30, 2006

Gosto de pedras...mais escuras, redondas, achatadas, alongadas,todas se assemelham nas histórias que me trazem...quase todas perdidas, desmamadas de suas mães bem cedo...partidas,marteladas, abandonadas nos passeios, chutadas pelas biqueiras dos sapatos imprudentes da rapaziada e da meninada...por vezes apanho uma, e sinto lhe um pequeno pulsar de vida...e outras mais macias...vieram da madre da terra...como se se tivessem parido sózinhas, num vómito ensurdececedor e vagaroso...se prestarmos atenção, vislumbramos lhes sombras, fantasmas reerguidos do passado, querendo de novo passearem se por aqui... quando as tenho em minhas mãos, acaricio as e na fragilidade sena de minha alma, ponho lhes nomes...não chegaram em vão até mim...são poeiras micrócosmicas que se passeam por cima dos tectos de nossas vidas...e se eu estiver atenta, poderei ouvir lhes histórias de outros mundos em que pernoitaram, antes de chegarem aqui...outras, foram expulsas dos seios de Hera, pontapeadas por Zeus, na aflição que tinha dos eternos inquilinos nos peitos de sua mulher...outras, vieram das profundezas dos mares e rios, que as empurraram para fora de si,para se darem a conhecer aos homems e mulheres, para lhes estudarem os afims...outras as mais belas, as que foram moradas de uma Atlântida esquecida, vieram direitinhas, como por magia, parar ás mãos de homems que as souberam torná las de novo Reis, Rainhas...Abri bem os olhos...senhores...e vejam lhes bem a mágica ousadia...umas frescas, frias...outras quentes, luzidias...ostentadas em finos aros e cordões, nas mãos e peitos delicados, das senhoras que se passeiam, ensenando a dança do encantamento, da insinuação desembrulhando vagarosamente os braços, esticando um pouco os pescoços...bandeiras...o brilhante...ostentação...o rubi...a paixão...a esmeralda...a severidade...a opala...candura...água marinha...o sonho...deslumbramento...todas se passeiam por aqui... e aquelas que menos bonitas nos parcem...surgem nos em forma de lindas estátuas, idolatrando Deuses,mulheres...que seria do Parténon, sem as suas lindas estátuas de forte cunho estilístico e humanista...Quem mandou Fídias á terra com essa missão tão nobre...trabalhar a pedra...acariciá la,dar lhe forma, movimento, transformá la em longas filas de Deuses, guerreiros em seus carros, afugentando o inimigo... e tanta a beleza, que por aqui não se pode contar...quando virdes uma pedra, trata a bem...foi em tempos, coroa, espada...pedra fez se Pedro...Pedro fez se casa...casa de Deus...casa de Rei...cuidem bem das nossas pedras...

Tuesday, March 28, 2006

No dia em que eu morrer
Não quero choros
Não quero lágrimas...
Quero caras lavadas
Corpos cheirosos e perfumados
Quero sorrisos e olhos brilhantes
Beijando meu corpo vaidoso...
Quero rosas, adornando os meus cabelos loiros e lisos
Quero violetas nas orelhas e nas narinas
E na boca uma flor de lis...
Sobre o meu peito quero sentir
As vibrações das vozes genuinas
Dos anjos...feitos crianças....
Sim...porque no dia em que eu morrer
Quero que cantem por mim
Por tudo aquilo que um dia disse e fiz
Pelo que os meus olhos um dia viram...
Quero de uma orquestra
A sua última sinfonia...
Sim...
Porque, no dia em que eu morrer...
Que nada mude...
Saiam gentes de suas casas
Façam se casamentos e baptizados
Que os meus amigos
Que os meus amantes
Ofereçam flores ás namoradas...
Nasçam crianças
Que se dance nos palcos
E que se batam palmas...
Porque no dia em que eu morrer
Eu sei que serei pássaro
Flor ou nenúfar
Que vos verei a todos...
Nas sombras das vossas casas
Vos continuarei a amar...
Mas de lado,
Calada e atenta...
Consolarei os vossos corações aflitos
Misturando me com a luz do sol
Rainda as vossas vidas...
E nos momentos feitos sonhos...
Vos falarei...
E nas noites de inverno,
Lembrar te ás...meu amor,
Da terunura do abraço...
Dos mamilos rosa
Que pesavam no teu torso nu...
E quando sentires que estou aí,
No recanto mais íntimo
Do teu jardim secreto,
Não tenheis medo...
Porque... serei eu...
Que farei crescer as flores
Dos vasos dos vossos varandis
Serei eu que cantarei
Na voz do pássaro
Enjaulado e triste...
E nos dias em que chegares a casa
E sentires no ar um cheiro a romã...
Pois...sou eu que lá estarei,
Traçando no arco íris
Coroas de giestas...
E com vestes de setim
Vos enfeitiçarei...
Vos enfeitarei
Cheios da minha alegria...
Pois que...no dia em que eu morrer
Cante o violoncelo
O violino...
Cante o rouxinol e a cotovia...
E a chuva de mansinho...
Que eu...lá fora,
Terei as ruas
Os prados, os campos, as serranias...
Misturar me ei com a terra fofa...
E deitando me.
Bem juntinha a um diospireiro
Serei a seiva feita vida...
E o fruto fresco
Que um dia...
Gulosamente porás á boca...
Será um bocado de mim que comereis...
E em ti viverei...

No dia em que eu morrer...

Monday, March 27, 2006

No encalço da tua sombra
Desmembrei meu corpo molhado...
Deixei rastos...perfumados...
Para neles pernoitares
E na fragância que ostentavas
E que por mim espalhastes
Ficou me o sentido preso...
Num turbilhão de saudade...
Que hora louca
Esse teu passeio...
Carregaram as estrelas em mim
Fundo, no peito...
E tu...amor...
Desatento...
Não viste...
Da minha boca,
Sair o beijo...
No abano da árvore...sou eu...
No crepitar do lume...sou eu...
No ecoar do vento sou eu...
No tanto que por ti volteia...sou eu...
Eu que tu não conheces..
Eu que nunca viste...
Eu que te amei...

Sunday, March 26, 2006

Esperava te o passo...
Leve...curto...
Descansado...
Irreconhecível...desconcertada
Na sombra do chão
Em que te pousaste...
Ergui te os braços
Nim pedido mudo
Da quentura
Que outrora me trazias
Em teu coração...
Harpejei o teu corpo
Procurando te...emoção...
Rastejei por dentro de ti
Ás pernas me agarrei
Escorreguei de mansinho
Por dentro da camisa suada
Pousei leve no teu peito amado
E no calor inibriante
De teus lábios, nasci...

Foi assim desde que te vi...

Saturday, March 25, 2006

Chegaram as papoilas...
Saíram do meu coração
Esvoaçando, leves,por cima de mim...
Cobriram me, frescas,
Num manto leve de cor
Pintaram me as faces...
Vieram todas juntas
Para me levarem num passeio
Pelos corredores alegres do paraíso
Porque...
Quem se traja florido
Viaja no ombro do vento
Arrasta se colado aos feixes de luzes
Agarra se aos ramos altos das árvores
E numa tontura desmedida
Tudo se solta em si...
Trazia nesse dia o semblante entristecido...
Espalhara se em mim logo cedo
Um redemoinho de desordems
Acenaram me então as papoilas
No jardim frondoso da inquietação...
São carmesins, as minhas papoilas
Cor do sangue em que me pari
Acrescentei lhes umas pitadas de ousadia
No dia em que nasci...
Foi num crepitar temultuoso...
Num dia de trovoada
Que o meu peito se abriu...
Veio primeiro a dor...a aflição
Vieram a correr as meninas...
Traziam em seus braços
Aquele que eu amara...
Naquele outro pedaço de vida
Rasto silencioso
Perseguindo a solidão...
Encostei me ao seu corpo gelado
Esquecido...atordoado...
Sem se lembrar de mim...
Soprei lhe devagarinho por sobre os olhos
Mundo meu...parado...alheado
Colei os meus lábios aos seus
Passeei nas suas pálpebras fechadas...
Pedi então ás meninas
Que me o levassem dali...
Ficaram então as saudades
Nevoeiro teimoso...rasto
Dobraram então os seus caules...
E num suave reboliço de mar
Amaram me...obstinadas...
Num frenesim de saudade...mãos dadas...
Mas em mim...
Embrenhara se o cheiro
Daquele que partira...miragem...
Do que não me vira
E que não quisera acordar...

Desmerecido...


Sem culpa formada!

Wednesday, March 15, 2006

Desceu sem querer ,as escadas que a levariam ao inferno...do seu peito saìa lhe uma fogueira de chamas que abrasava quem se aproximasse dela...cheirou o lume de cinzas que lhe pulava da carne, e pôs se a rosnar, como uma fera que quereriam abater...parou a caminho e olhou para baixo...ainda lhe faltavam umas boas léguas para mergulhar nas névoas densas e negras, que lhe haveriam de moldar o corpo e torná la em mais um fantasma errante que por ali deambulava...veio lhe então á memória imagens decapitadas, diluídas de um grande dicionário, onde, em nova, costumava procurar palavras...esquecera se da sua utilização há muito, e rebuscava nos meandros dos caminhos labirínticos dos seus saberes,a palavra certa para a afastar daquele lugar medonho e tentador...estirar se numa profunda preguiça...deixar se levar pelos instinctos macabros da sua espécie...retorcer a língua do tanto mal dizer, chamando a si as comadres da prevaricação...cair no pecado e entregar o seu corpo ao primeiro ,vindo ao seu apelo...lá em baixo, a vegetação tinha sido devastada pelo gelo...tudo branco...arrepiou se...o branco das palavra, do verbo ,do desenho,do mistério...a negação do absolutismo...árvores decapitadas...corpos feridos...tudo incoloro, num joge de obscena descompaixão...o medo,o terror, a opressão e o desamparo tomaram conta dela, fazendo com que subisse algums degraus, para se afastar daquele lugar fúnebre.... mas a vontade voltou lhe e tornou a descer...queria afastar se daquela outra metade do tempo...perdera quase tudo, e naquele mancha azul onde se habituara a viver...a dor, o rasto confuso da emoção a que não estava habituada,a intensidade da perda crivada no seu corpo chagado,fê la agonizar se ainda mais na sua dor.,..deu mais um passo...palavras fragmentadas, descompassadas, blocos espessos de dor escorriam do seu coração...sentia se tonta e fatigada...de repente, lembrou se de Cerbro, guardando as portas do inferno, e do seu feroz dono,Plutão...o medo de ser mordida e mastigada pelos dois, abrandou lhe a passada...e o dicionário, com os seus múltiplos sentidos e saberes não lhe saía agora da cabeça...foi ao fundo do poço do seu ser, procurando a palavra da ressureição...descobrira a súbitamente...caminhava levemente,por cima das tiras do passado esquecido...e o corpo estremeceu lhe, num gesto magoado de súbita vitória...trauteava então baixinho,como se de uma formula mágica se tratasse, e na esperança de reaver o seu amor...sol lucet omnibus...sol lucet omnibus...sol lucet omnibus...tinha encontrado a palavra que procurava, nas velhas folhas quase apagadas...sol...sol...o sol teria que aparecer novamente,e brilharia também para ela, ali, no alto daqueles degraus...uma súbita vontade de retroceder, apoderou se dela...procuraria algum consolo num lugar bem quente,encostar se ia a um qualquer muro, e ali, deixaria a quentura do amigo, queimar e sarar lhe a ferida...acharia no clarão luminoso do meio dia em que se costumavam encontrar, o carinho do abraço dado outrora no passeio afunilado da vida...subiu vivamente os degraus que lhe faltavam,e sôfregamente,sorveu ,vindo de um buraquinho do corpo da aurora, o primeiro raio de luz...

Saturday, March 11, 2006

Episódio

Decidiram um dia erguer me um muro...não o vi no início...fiquei presa ,,,ofuscada num clarão de indignidade sem fim...tinham ousado tapar a parede com tijolo e cimento, com o topete de um magistrado...até porque não há nada que perguntar, quando se quer fazer mal a alguém...fizeram me mal ,em me terem erguido aquele muro...na vida como na morte, não se podem erguer muros...se se nascer com um muro á frente dos olhos, corre se o perigo de se ficar cego...e quem não o ficar nos olhos, fica o no coração...os malandros ergueram um muro, pensando que me calariam., que me pudessem esconder, queriam me mais pura, mais obediente, a domesticação tinha de ser mais cuidadosa...mas a minha voz perdeu a doçura de outrora...gritei muito...fiquei doente...e quase morri, po causa daquele muro que me aprisionava a alma...que não me deixava ver o pôr de sol, que não me deixava ver o céu de onde vim...eles não alcançavam nada...não percebem que sem luz, sem ar, sem cores, sem formas, sem espectros, sem fantasmas, sem sombras, sem lua nem luar, sem ver a paridela do sol, a baralhação que vai lá fora, que intriga, que afojenta, que arrepia, que dobra as esquinas das noites e dos dias, sem a percepção das nuances multicolores da natureza, sem as metarmofose , sem isto tudo não pode haver vida...barraram me o paraíso...a luz falava me, aos soluços,de encontro á espessa fachada...apanhava, como se estivessem a léguas, os rumores tristes e alegres de quem passava... longe ia o tempo em que ...olhava nos olhos dos homens que sorriam, vaidosos, e que acenavam com a mão...apaixonei me por rostos, vestes, disfarces., tentava imitar o deambular das mulheres vaidosas que passeavam..e numa tarde caprichosa, tomando a minha.cuiriosoda por acesa ousadia, cortaram a serpentina que dançava nos meus olhos, e os fantoches,os duendos, os pássaros, as rodas de meninas que viviam no meu coração desapareceram, e quase morri...mas um dia, descobri num canto da minha memória, uma marreta,assentei lhe bem as mãos, levantei a firmemente, como quem vai taquear uma bola de golfe,e despejei a minha fúria, a minha raiva, a minha cólera, a minha espinha torta que trago atravessada na veia, e num estrondo ,derrubei a minha prisão...quando se juntou a vizinhança , vinda ao ruído do trovão, chamaram me louca, que o marido haveria de se entender comigo lá para o cair da tarde...não sou eu...é a sombra de um sonho que tive...é uma verdade de uma outra vida, que me fez tão ousada...veio o marido...ela abeirou se da janela, transfigurada pela loucura que lhe varria o corpo ...chamou por ele, uivando como um lobo esfomeado, atrás da presa...ele virou a cara, partiu para o outro lado...naquele instante percebera que a tinha perdido para sempre...um dia haveria de a tornar a achar...numa outra vida, num outro lugar...e a pobre sonharia muito tempo com o tudo...lá fora ...demoraria algum tempo...porque há gente que não aprende...que não se sabe cuidar...mas dessa vez, ela lhe esborrecharia a cabeça com a marreta...

Wednesday, March 08, 2006

Vem meu amor
Rebolar te, nas minhas faces redondas
Deslizar na minha língua molhada
Descansar na minha fresca boca
E...colher beijos aos montes
Se te chegares a min...meu amor...
Descubririas...tanto...
Buracos onde te esconderes
Para aquecer as tuas mãos
Que me chegam tão frias
Sorrisos que te fariam ressuscitar
E o tanto que te daria...Amor...
Se um dia...te chegasses a mim...
Chove meu amor...escondamo nos nestas searas , já aqui, nestes céus tão espumosos... como se está bem amor...enterram se nos as mõas nesta terra cheirosa, que flutua, para que, sem nos mexermos, possamos seguir direitinho com os olhos, as brincadeiras que os delfos fazem para nós...olha como é bom rebolar nesta penugem...fazem nos cócegas,querem nos felizes...foi bom cá ter vindo parar...nunca os nossos cabelos se confundiram tanto neste mar de suspiros...ouvem se , vindos de todos os lados...é a hora do ensaio...chegámos na hora certinha...chega te a mim amor, junta te bem a mim, pega me a mão, para que,quando extâsiada, me possa fundir em ti e sermos um só...pois que, quando estás lá em baixo, amor, distrais te tanto...olhas pouco cá para cima...escuta estes duetos, estas árias, os coros que entram por mim...Oh! amor...escuta estas guloseimas que nos estão ofertando...bandeijas de notas...abre bem a tua boca...come se música, aqui neste cantinho deste céu, tão perto da nossa morada...experimenta depois de mim...vê como se fica mais bonita...enchem se me os peitos, do suco afródisiaco que te põe doido..agora já sabes de onde eu vinha, quando, atrasada, corria para os teus braços, e tu, desesperadamente procuravas este cheiro que eu vinha aqui buscar... olha para os meus olhos amor...aqui eu fui Giotto,pintando o seu belo Santo Estevão,Botticelli, pintando uma das suas Anuciações,Correggio, pintando a Virgem com o seu menino...sabes amor, quando se prova destas essências, tudo está ao nosso alcance...é por isso que lá em baixo, suspeitas sempre dos tintos, das cores que trago em mim...conheces a Sagrada Família de Agnolo Bronzini?fui eu que a pintei...mas só o consigo fazer nestes sítios , onde me visitam almas gentis a pedirem me um pouco da sua atenção...ai amor...lá estão aquelas estradas largas e gordas que carregam os momentos mágicos que por vezes tenho aqui...e é por este amor, por este montão de pétalas, de hinos que me apaixono, e pelo belo que tens em ti, que esvoaço para fora de mim, num lânguido trilho ...bálsamos antigos, que vou soltanto por aqui...fica, fica junto a mim...

Tuesday, March 07, 2006

Ausência

O tempo escorre por mim
Como a água no ribeiro
É o tempo que por outro já passou
E que para longe de mim levou
Aqueles que a luz viu um dia...
Aqueles que a noite amou...
Caminhou quase até ao entardecer, e a vontade dela era voar para dentro dos ninhos de melros que viviam numa árvore perto da sua, pois queria sossego...muito sossego...ela trabalhava tanto, e ela era aquela alcofa grande onde tudo cabia...as batatas, as cenouras, o melão com as pevides, que, sequinhas, até davam para rechear bolos...as cestas da casa já iam estando rotas do tanto que carregavam, do muito de se encherem, do trabalho imenso que davam...ela tinha muitas árvores, muito mato, com quem converssava e discutia...as árvores eram os patriarcas da casa, o mato, a filharada toda misturada, que se confundia na palete das cores que ela lhes atribuía...aqueles tufos que lhes cresciam nas cabeças geniosas e brincalhonas, tinham tantos reflexos...os meninos dos acastanhados davam lhe menos trabalho. eram mais esquivos, fugidios, fácilmente batiam asas para só aparecerem á hora da janta, quando a fome apertava...tinham dono, mas ela queria os livres para a poderem um dia amar...não se pode amar quem nos teve cativeiro toda uma vida... o do cabelo ruivo ,deles todos, era o mais audaz...pouco ou nada se fazia dele...diziam lhe muitas vezes que ela devia ser mais energica com esse, mas ela apertava fortemente os punhos, e gritava bem lá de dentro do seu coração silencioso...que os heróis deviam ter as pontas das suas estrelinhas, um pouco retorcidas, para não poderem seguir a míriade de outas, que a levaria a lugar certo e conhecido... a ela, até lhe agradava que os seus rebentos tivessem ums boms galhozinhos por podar...e depois vinha a menina...a leoa da casa...sempre bracejando contra os irmãos, levantando o punho em forma de protesto, e a dizer, que nela, ninguém mandava...e a mãe, passava lhe longamente os olhos por cima, rindo se recatadamente, dos trabalhos que viriam a ter os possíveis pretendentes á mão daquela sua tempestuosa filhinha...tinham lhe dito há muito, mas mesmo há muitos anos atrás, que,casar e ter meninos, era uma coisa maravilhosa...e ela acreditou, como acreditam todas as mulheres que sentem a vida crescer dentro de si...e depois foi o tudo...o resto...as noites mal passadas, as doenças, a falta de sossego, e o seu cansaço por vezes era tanto, que ela desejava derreter se, como se derrete a manteiga, nos quentes dias de verão...mas ela era feliz, porque tinha tudo, pai, mãe. amante, filhos...ela repetia sempre, todas as noites, depois de se benzer, e de monopear uma rima de Avés Marias e de Pais Nossos, que só tinha a agradecer a deus, porque era muito feliz...mas naquele dia, ao regressar a casa, dera se conta, que , toda a vida, fizera tudo o que esperavam dela...toda a vida abanara a cabeça, toda a vida deixara o mundo decidir por si...toda a vida seguira a tradição, nunca rompera com regras, com normas, e, até, houve uma altura em que a atiraram para os braços de um homem que ela desconhecia...ninguém lhe conhecia o segredo há muito escondido...nunca confiara em ninguém...nunca riscara o nome em parte alguma...e no entanto, por vezes, nos braços do seu amante, por dentro da sua cabeça, ela chamava pelo outro, e tinha com ele o prazer , entregando se aos arremessos desajeitodos do seu companheiro, inventando histórias de encontros com o seu tal outro amor...ela era tão imaculadamente santa por fora...tão condenadamente pecadora por dentro...o que a atormantava ,era aquela culpa, aquele acenar de cabeça forçado, quando queria dizer não...e assim foi crescendo, até áquele dia, em que espreitara fugazmente para o outro lado da rua...e era por isso que ela não ralhava muito, nunca batia, só falava com as mãos, com o coração...a linguagem dos eleitos, pois ela não tinha mágoa, não sentia remorsos, fizera sempre tudo como devia ser...mas naquele dia, qualquer coisa nasceu na sua cabeça, uma coisa que lhe vinha do coração...queria fugir...partir os braços daquele grande cadeirão, onde todos se sentavam, sem se darem conta que ele já começara a ceder com o peso...nessa noite quando se deitou,adormeceu desinquieta, pois sabia que dali para á frente nada mais seria igual...

Sunday, March 05, 2006

Ela tinha quase tudo...ela tinha pai, mãe, amante, filho, céu, nuvens por cima da cabeça...ela era aquela coisa morna e boa, nem muito quente, nem muito fria, a quem se chegavam todos quando se sentiam vazios...e ela carregava aquilo tudo, como se estivesse no meio de uma orquestra, e tudo ouvisse, e tude descernisse até ao último herz...ela era o diapasão certinho e austero que tudo ordenava e condenava...mas hoje ela punha as mãos á cabeça...aquele sorriso , nascido dos cantinhos daquela boca gulosa que a tolhera como se saboreia a mais gulosa das comidas...aquilo não lhe saía da cabeça, e a vontada e o desejo que sentia já por debaixo da sua roupa branca e vaidosa , levava a a repetir sem fim...Spiritus promptus est ,caro autem infirma...e só se lembrava das palavras de Cristo , no Monte das Oliveiras, apelando seus disciplos para fugirem da tentação....ela acabara de saborear de novo aquele gemido frágil, de quem se apronta a cair de um pricipício, esperando sempre cair sobre as suas duas pernas...e se não aparecesse hoje em casa...e se não houvesse mamã para ninguém...e se ela agarrasse aquele bocadinho de fresco renascer...aquele fim de tarde...e voltavam lhe as saudades daquele cheiro inconfundível de um crepúsculo em que se tinha deliberadamente entregue, sem pedir licença a pai,a mãe...e a culpa voltava sempre, implacável, como os ponteiros de um relógio, marchando para a última passada de um final há muito traçado...ela sabia onde encontrá lo, ela sabia lhe o nome, ela tinha o visto há muito nos seus sonhos,ela sabia de onde vinha, as cores que lhe enfeitavam a alma, ela esperava por ele há anos,conhecia lhe a morada, a fama...mas ela sabia que, se cedesse...condenava se a si...ela...o diapasão que afina a malta, que afina a filharada, o dever das suas obrigações...puxou a farta cabeleira para trás, entesou se firmemente na calçada e lembrou se das suas fragilidades, do choro que lhe vinha fácil, do sofá amplo em que se tornara, do colo ternurento de suas mãos que nunca conhecera rival...e de longe, ouvira o apelo dos seus meninos clamando aqueles abraços rosas e azuis, que ela tanto enfeitava de promessas de amor eterno, e pensou que aquele seu coração já tão preenchido, mais nada poderia carregar, a não ser aquele casulo ternurento que construíra ao longo de anos...e as lágrimas corriam lhe pelas faces...ainda tentou , na sua cabecinha, pular a cerca do seu jardim , mas não encontrou forças para o fazer...levou as mãos á cara redonda, os seus dedos tropeçaram no seu nariz longo, ninho de repuxados beijos...já quase esquecidos...ainda esteve para transgredir as normas , saltando num vazio irreflectido, quando, longe, como se de um aviso se tratasse, ouviu soarem lhe as últimas palavras da sua condenação...Sic transit gloria mundi...o seu tempo tivera há muito acabado...o dever chamava a...apressou o passo...

Friday, March 03, 2006

Il était une fois...

Il était une fois...
Uma menina pequenina
Uma fadinha verde
Que gostava muito de sonhar...
Disse pois...
Certa vez a seu pai
Que queria voar...
Pois então...
Abriu os seus bracinhos
Nem uma ave rapina...
E com o sobrolho carregado
Investiu no espaço vazio...
Seu pai olhava...
A menina de súbito
Modou de direcção...
Cobriu com os seus olhos de amendoa
A cúpula redonda da sala...
Viu os móveis antigos...parados...
Nem bichos horrendos
Querendo atacar...
Viu as cadeiras tesas e toscas
Querendo convidá la a sentar se...
Não se poderia deixar agarrar!!!
Olhou então para os olhos de seu Pai
Olhou e tornou a olhar...
Que medo...
Seu Pai estava aterrorizado!Porque quereria a sua menina
Fugir lhe, desamparada?
Meteu as mãos á cabeça
Rezando a Deus, que ela parasse...
Que ele conhecia a bem...
Daqui a nada,
Pouca coisa
Restaria naquela sala!
As mesas, os candeeiros
Os potes e as jarras
Tudo de pantanas
Ao chão iria para
Que a sua menina
Até acharia graça
Ao tudo...
De canelas para o ar!
De repente...Milagre...
A flor, então, bicho endemoinhada
Cobra no espaço,
Parou, e sorriu a seu Pai
Abeirou se dele
Como hipnotizada...
Porque tanta agitação
Tanto tormento?
Atirou se num brusco roliço de onda
Para o colo de seu Pai...
Que isto de querer voar...era só para o assustar...
Deixou se prender
Naqueles braços longos e seguros...
Deitou lhe a mão á face...
Num jeito de carícia...
Pediu lhe perdão...
Que aquilo não era a sério
Que ele estivesse tranquilo...
Que ela ficaria!
Mas o seu Pai sabia
Que aquele era mais um dia feliz da sua vida!
E que um dia se abriria a porta
O outono chegaria num sopro ávido e sombrio
E lhe levaria como por magia, aquela sementinha
Já quase...ali adormecida!
Baixou então de leve, a cabeça macia...
Se pudesseis ver as cores em que me penduro...nos meus passeios
Se inclinasseis um pouco a cabeça
E me visseis ... leve...misturando me
Nos tintos reflexos... de minha alma...

Ai amor...se pudesseis acordar...
Na manhã suada dos nossos encontros
Verieis como o rosado do meu peito
Carregou no teu peito esbranquiçado...

Se pudesseis ver as vestes
Com que te cubro de dia...
Correrias de noite
Ao meu chamado
Para eu te as despir...

Pendura te amor...
Nos ramos das oliveiras
Olha por cima dos teus olhos
Procura me na página
Envelhecida ...do tempo...
E sem medo,
Dilui te...nessas cores...que trago em mim...

Suite Inglesa nº2 em A menor-Johann S. Bach

Um rouxinol visitou me certa noite
Disse ter visto nos meus olhos
Uma tristeza infinita...
Dei lhe guarida no meu travesseiro
Foi então a serenata quente e doce
De uma noite bem sonhada...

Um dia , o meu rouxinol morreu...
Nunca mais dormi...
Nunca mais comi...
E veio então a cotovia...
Dei lhe guarida no meu leito
Nunca mais tive frio...

Certo dia morreu a cotovia
E eu gelei...

E veio a andorinha
Abriu as suas asas
Cobriu o meu corpo desfeito...


Ressuscitei...

Wednesday, March 01, 2006

Aragem

Sou pequena...ai... tão pequenina..vou cair...vejam...sou branca....cresço para ti,estico me toda para te alcançar...tão longe meu amor...tão pequenina neste céu imenso...vem amor...nessa rampa de rosas cheirando ao elixir que me ofertaste...num dia...vem amor para nos agarrarmos...dança se por toda á volta...cantam se hinos de glória...Ámen...segue se uma multidão querendo presensear a nossa união...escondemo nos...somos clandestinos , nestes céus tão abertos...tão cheios de luz...vem amor...vesti me de branco para te receber...sobe as escadas que te lancei ,vem ao meu chamado...foram para ti que os meus olhos cheiraram o fulgor que trazias ... para ti que que cheirei a luz intrépita do teu caminhar...ai...sou tão pequenina...carrega me nas tuas costas...daqui posso tudo ver...ai...vem aí gente...Sanctus...mirar a nossa morte nos anos afins...a estrada ainda lhes é tão comprida, vem amor resguardar te nas minhas vestes, pétalas de jasmin...sou branca meu amor, tão redondinha, porque o branco só pode ser redondo, perto de ti.. ai...leva me para bem longe destes olhos curiosos que querem quebrar as minhas asinhas...saiem da minha boca covinhas de beijos que se vão alojar em ti...sente...molhadinhos...aos pares. de mão dadas para não se apartarem de ti...está calor neste sítio tão sossegadinho...vejo nuvens caminharem em adagio, e falando baixinho deste nosso trato tão antigo...venham, venham todos colherem os frutos maduros que caem dos nossos cabelos...são dos tantos beijos que nos demos...e quando virdes a chuva miúdinha cair numa tarde quentinha, lembrem se daqueles dois corações tão juntinhos, e que um dia decidiram que seria para toda a vida...e nas ondas do mar que redobram o seu folgor...ah!...imo pectore...